na rua, na chuva ou na fazenda

sexta-feira, março 18, 2011

a saga do prazo de validade ou a lenda do celular na ante-sala do céu


no post anterior, dei conta do susto passado com o alerta de que o meu prazo de validade começou a vencer. não sei ainda se foi apenas um aviso ou se estou na base do overtime. enquanto isso, vou vivendo... mesmo que à base de remédios. terremotos japoneses à parte e com todo o meu pesar e respeito pelas vítimas, vivi meu tsunami particular nesses breves dias.


morrendo de timidez (e de dores) pelos banhos de gato aplicado pelas enfermeiras dedicadas e gentis, todo espetado parecendo até almofada de "mulé rendêra" festejei como um grito de independencia o meu primeiro banho de chuveiro on my own, sem a prestimosa ajuda de femininas e desconhecidas mãos (o que, noutras circunstâncias, teria apreciado muitissimo demais da conta). fiz a festa em curtíssimos dez minutos. curtos para um belo e desejado banho mas longo o bastante para alguém achar que por já estar numa u.t.i - consequentemente, na antesala do cemitério - o meu novíssimo aparelho celular (objeto de desejo de dez entre dez aproveitadores) não mais me seria tão útil assim. desta forma, voltei do banho, lépido e fagueiro, encontrei cama (leito é o nome hospitalar) feita e de lençóis, fronhas e travesseiros trocados e, claro, a equipe de prontidão para repor os espetos que me levavam fluidos medicamentosos corpo adentro de volta a seus devidos buracos (acessos, hospitalarmente falando). depois de exemplarmente paramentado de "uteísta", lembrei de ligar para avisar aos entes queridos que tudo estava como dantes no quartel de abrantes. mas, cadê a mais importante invenção humana nos últimos doze milhões de anos em termos de comunicação? sumiu, escafedeu-se entre dobras de lençóis e cobertores! agora é juntar grana, afinal, comunicação é fundamental, para comprar outro.

u.t.i - episódio dois.

transferido de hospital para "procedimento" cirúrgico (meteram-me uma mola peito adentro por mea culpa, mea maxima culpa) ví-me, como sempre, espetado a torto e a direito com jovens doutores discutindo-me e a outros pacientes pacientemente esperando algo (bom? ruim? péssimo?) acontecer "a subclávia direita e tererê tererê" "o àtrio esquerdo e tererê tererê" quando adentram o "pa" (pronto atendimento)dois elegantes senhores vomitando ordens a dois outros senhores (malajambrados em uniformes azuis de operários da construção civil): "fura aqui, bota ali, transfere dacolá... e se reclamarem, fala que fui eu quem mandei (sic)". não deu outra: manda quem pode, obedece quem tem juizo. os operários nem pestanejaram. sacaram suas espadas (ooops! escadas), furadeiras e começaram a brocar as paredes e teto onde mais de uma dezena de infelizes pagadores de caros planos de saúde pagavam seus pecados e cigarros bem tragados ao longo desta curta vida. dá pra acreditar? ao meu lado (minha suíte hospitalar, na verdade um cubículo separado dos outros por uma espécie de cortina de pvc articulada para nimguém achar sua miséria mais miserável que a dos outros) uma senhora de oitenta e poucos anos penava uma doença pulmonar e as furadeiras... tome-lhe poeira. e, num local onde se exige silêncio, tome-lhe "zuiiiiiiiiiiimmmmm". fantástico! claro que chiamos (quem tinha saúde pra chiar) horrores e somente então o digníssimo cidadão elegante de cãs prateadas desceu do olimpo onde se aboletava (era o dono ou sócio da clínica que se denomina fundação) e compreendendo a sua própria incompreensão determinou a parada das obras de reforma da então totalmente ocupada unidade. acabamos sendo transferidos para apartamentos e, lá embaixo, provavelmente, em algum momento, a balbúrdia construtiva, recomeçou. não mais a vi, nem ouvi, nem senti. de alta médica, obrigado a me manter quieto, longe dos cigarros que me ajudaram a chegar lá e condenado engolir comprimidos quatro vezes ao dia, me pego pensando com saudades no tal do aparelhinho: será que ele está feliz?

observação: não sei postar o silêncio da minha alma ou algo que o represente diante da tragédia japonesa. que deus tenha piedade de todos nós.

Um comentário:

  1. Hum! Passado o susto, não sei onde tira tanto bom humor para escrever neste blog. Cuide-se!

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