na rua, na chuva ou na fazenda

quinta-feira, agosto 14, 2008

o marketing do cofrinho: confronto entre realidade e sonho

igor gabriel de jesus santana - isto lá é nome de gente?! -, 14 anos, 1,80 de altura, pés tamanho 44, na condição de filho extemporâneo resolveu-se a me fazer uma visita de fim de semana (decisão tomada, na verdade, pela mãe dedicadíssima à tarefa nobilíssima de me arrancar alguns trocados a mais do que a mesada que emagrece mensalmente o meu salário de escriba e palrador) lá pelas bandas de arembepe, ao norte de salvadorcapitaldabahia. tudo bem. nada demais um pai receber um filho que o visita a mando da mãe ou mesmo de moto próprio. pois bem. filho recebido na estação rodoviária e conduzido a arembepe sem muitos salamaleques, rotina de semi-ermitão quebrada, rotina de pai secularmente esquecida iniciada, leviana e espertamente faço com que o moleque crie sua própria rotina a reboque da minha: sábado (primeiro dia) hora de acordar: 4 e dez da manhã. Moleque de cara feia e olhos remelentos e remelados; caniços no carro, puçá no porta-malas; camarões no isopor e vamos à la playa antes que o sol nasça e nos faça mais negros do que já o somos naturalmente. dentuço de brancos caninos, molares e dentes outros, o moleque é, até certo ponto, bonito. algo totalmente desengonçado nas girafianas pernas, o gabriel - e ainda tem nome de arcanjo! - é um sujeito calmo, lento - nas palavras e atitudes - é simpático. depois da malsucedida pescaria, decidi-me a comprar-lhe (haja dinheiro!) alguma coisa. entramos numa antipática lojinha cheia de quinquilharias. nada havia que prestasse. apenas quinquilharias e uma mocinha que, pretendendo ser amável não conseguia desarregaçar os lábios e esconder os dentes metalizados por uma espécie de corrente dentária ornamentada com uma pedrinhas vermelhas e que a faziam falar com sibilado carioquês pretendendo 'xis' onde se advinhava um 's' ou 'c'. só que o moleque entrado na aborrescência muito recentemente, advinhava sedução onde só havia a caça ao vil metal (leia-se plástico. afinal cartões - de crédito ou débito - não são de metal); advinhava sexo onde só havia droga; sonhava rock'n'roll onde só havia baladas sorianas. eu até me peguei pensando "como é que um moleque desses que fica com a cara de televisão de tanto ver cartoonnetwork e seus desenhos (des)animados pode olhar uma mulher (ainda que horrorosa e, vai ver, por isso mesmo) com olhos de homem? sei lá! vai ver que é a dieta de hoje em dia: frango (cheio de hormônio); hambúrger (cheio de hormônio); pipocas (cheias de hormônio); hormônio cheios de hormônio; a cabeça cheia de hormônio e os neurônios com porra nenhuma! claro que como macho latino americano e de herança nagô, enchí a bola do rapazote. mesmo assim, saímos da lojinha e dos olhares da moça dos dentes de aço. íamos à barbearia. eu precisava tirar a barba e os cabelos remanescentes nas laterais e fundo da minha cabeça. entre a lojita e a barbearia, o orgulhoso projeto de casanova se saiu com um respeitoso "o senhor viu, meu pai, como ela me olhou?" "como ela te olhou!?" retruquei nada atencioso com o orgulho do moleque. "quase me comeu com os olhos. viu só que sou bonito mais do que o senhor?" eu, que tentava negociar com uma caipirosca malajambrada por um bartender que trocou de sexo e mesmo assim continuou um figuraço e tanto, engasguei com a risada e os farelos de limão. "você o quê?!" "todo mundo me diz isso quando diz que eu sou a cara do senhor!" não fosse o respeito implícito no 'senhor' e a carinha de criança precisando de apoio moral, condescendência, afago, aceitação e tantas outras coisas, minha gargalhada seria demolidora porque não sou de gargalhar. o moleque estava tentando competir comigo através da imagem! bem que ele é bonitinho - não sei a quem puxou, mas à mãe não foi! - mas é aquele bonitinho que está mais pra suco de chuchu ou preá com melancia: passa batido! mesmo assim, achei legal a competição. ou melhor, a alta da auto-estima dele. então deixei-o competir. na barbearia - propriedade do ex-tupamaro Walter que ainda sonha com a old fashioned guerrilla - fiz o que tinha que fazer com um arremate: autorizei o arcanjo negro gabriel a dar uma repaginada no negro russo igor. mais alta na auto-estima não faz mal a ninguém. mas depois fiquei com pena da inocência dele. do alto dos seus 14 anos, não percebeu que os meneios, os trejeitos de olhos, o rego da bunda mostrado como se por acidente nada mais era do que parte da estratégia de venda da mocinha de dentes de titânio e cabelos de chapinha. vai ver, quando cinquentanear que nem eu, ele perceberá.
ps 1.: eu gosto dele, sim.
ps 2 .: não comprei nada, não.
ps 3.: o título acima não tem nada a ver.