na rua, na chuva ou na fazenda

sexta-feira, novembro 12, 2021

navegar é preciso, viver não é preciso...



ando precisando de dar um upgrade nas minhas emoções. pra valer! como estamos em tempos de palavras novas, preciso entrar numas de me "ressignificar" seja lá o que diabo isto queira dizer; tanto pro bom quanto pro ruim. só isto pra dar o tom exato do que quero dizer, se é que você me entende. em verdade, em verdade eu vos digo (perdoa-me jc, este aqui não sabe que é proibido apropriar-se frases bíblicas a menos que seja pastor ou primo de edir macedo porque malafaia caiu um bocado de pontos nos faith bet). vamos deixar de enrolar  e vamos ao ponto de partida.

estou precisando mesmo de dar um grau nas minhas emoções desde um fatídico abril de 2021 quando me desconfiaram possivelmente neoplásico. frouxo que sou, comecei a fazer as investigações preliminares na levada dos sambas de martinho da vila "bem devagar, devagarinho..." pura frouxidão mesmo! mas o tempo passa, o tempo voa e os deslizes do corpo não perdoam. chegou a confirmação indesejada de todo: eu estava portador de um tumor na região da orofaringe que, por tabelinha e pura diversão me atingiu a base da língua e ameaçava as cordas vocais.

me mantive fleumaticamente britânico, gelado que nem um viking que antes de conquistar os países nórdicos vivia em botswana e, pra se acostumar à gelidez da vida e da meteorologia, passava as férias de verão no kilimanjaro . tradução: o medo se instalou geral a ponto de me fossilizar . não adiantaram os acalantos de amigos, parentes e aderentes na base do "porra véi a medicina tá super evoluida! pare com isso!" meu estado de espírito flutuava qual alma penada (trocaralho do cadilho de tão infeliz!): ia do purgatoriano limbo aos infernos bíblicos e dantescos em milisesgundos. não que eu não tenha medo da morte. tenho, sim; e como!!! apenas finjo que não é comigo. mas esse medo é perfeitamente compreensível: qualquer vivente tem medo daquilo que não conhece!


e é aí que entra essa coisa de "ressignificar" minhas emoções; reconhecer que vivi o bastante pra aprender um monte de coisas e se não pus em prática o que aprendi foi puro relaxamento e agora não dá mais pra invocar a intervenção do árbrito de v.a..r numa tentativa de driblar um destino construido com muito esforço à base de noites mal dormidas, conhaques, cervejas, vinhos, vodkas e cigarros e, de vez em quando uma comidinha pra quebrar a rotina.


hoje, em um leito de hospital dito especializado, me surpreendo com o desprendimento de meninas e meninos, homens e mulheres novos e nem tão novos assim que se doam em busca de lenitivo para as dores de uns como eu e outros a quem o acaso se encarrega de castigar por erros ainda não cometidos ou cometidos em tempos doutrora. é fato e é bonito este lado de uma casa pra se morrer falando em saude. tocante o desespero (real) que bate nos olhos dos embriões de médicos e enfermeiros (com todos os gêneros a que esses profissionais optem neste mundo cheio de preconceitos dentro de preconceitos) quando um paciente mais cético e mais cansado desiste. presenciei dois desses casos de desânimo pela vida e o entusiasmo com que dão à morte seu último suspiro. certamente não pensaram no sofrimento de quem se esforçava pra deixá-los aqui mais um tempinho e se sentiram lesados levianamente.

na enfermaria que ocupo somos quatro. o time recebeu reforços depois de duas desistências. resistir é preciso; viver também é?