na rua, na chuva ou na fazenda

segunda-feira, janeiro 19, 2015

indignação atrasada

três dias depois do fuzilamento de marcos archer na indonésia - crônica de uma morte anunciada - minha indignação decidiu-se, finalmente, por acordar e dar o ar da sua graça. estou deverasmente indignado agora. independente desse "delay" de não-sei-quantas-horas, estou indignado. e por vários motivos, não pelo archer, em si, tendo em vista que concordo plenamente com uma cidadã, ex-ministra de alguma coisa no governo brasileiro que leu o que eu pensaria depois e antecipou-se à minha preguiça ao declarar peremptoriamente: "não era um herói, era um traficante!" Eita mulé danada pra ler pensamento!

claro que respeito a dor e o desconsolo da família que já vinha enlutando-se desde a prisão do archer
que se achou capaz de ficar impune - como se no brasil estivesse - ao entrar num país que pune, e de verdade, o tráfico de drogas dentro de suas fronteiras. enganou-se o archer como enganaram-se vários outros que, como ele, estão à espera dos disparos do pelotão de fuzilamento do governo indonésio que não tem, como se clama mundo afora, complacência alguma.

estou indignado, sim, com a indignação das nossas autoridades, com o discurso falsamente humanitário que diz que "a execução de marcos archer ensombrece as relações" entre os dois países e "fere a dignidade humana". ué, pra quê algo mais aviltante à dignidade humana do que a visão das nossas praças tomadas por mortos-vivos caminhando de um lado para o outro em busca de nada a não ser de mais uma pedrinha e, hosana!, uma carreirinha qualquer que lhes alivie do sofrimento que deve ser essa não-vida que levam. material fartamente fornecido por outros marcos que não se arriscam voar para a indonésia pois por aqui é mais seguro e a pena de morte só vale pros outros (aqueles que se arriscam a não pagar).



quantos de nós morremos a cada dia para que seres "aviltados" como o finado marcos archer ganhem mais e mais?

indigna-me a indignação que não temos - pelo menos se a temos, guardamo-la como segredo dos mais preciosos - com os desmandos, com a corrupção ativa e passiva, com nossos outros archer que, presos, são condenados a uma vida tranquila entre os muros dos nossos presídios de segurança nenhuma passeando em jatinhos de presídio em presídio como se estivessem a conhecer balneários.

me deixa ainda mais indignado não ver a indignação brasileira pelos mortos causados pela falta de leitos, de médicos e de hospitais. ou morrendo de outra forma, pela falta de educação. estes, pelo menos, levam uma vantagem: continuam vivo e sem saber porque vivem.

a sorte de todos é que minha indignação vem sempre muito atrasada e aí já ninguém mais toma conhecimento!

Ah, sim, ainda tem mais um brasileiro no mesmo corredor que o archer. com ele, mais uma chance de a diplomacia brasileira elevar a sua indignação a outro patamar. se eu estiver acordado, espero que a minha indignação chegue um pouco mais rápido. se bem que, como dizem que h.g.wells dizia: "a indignação é uma inveja com áureola". então...