na rua, na chuva ou na fazenda

quinta-feira, junho 27, 2019

dois parágrafos e uma linha pra vanessa



há milhares de dias, um bom tempo atrás, você primaverava meu verão em um junho como este de agora em que veraneia meu outono. Hoje, parafraseando um velho conhecido a quem não posso chamar de amigo (é, a vida tem dessas coisas), tenho mais passado que futuro, e é nesse passado que você se inscreve, se escreve e se insere sorrateira como as sombras no quintal de dona anita que me assombravam, me surpreendiam, mas sobretudo, me encantavam.



você me encanta de várias formas. algumas delas nem sempre agradáveis por me remeterem a dores antigas, anciãs como reumatismo, dores de coluna e achaques de velhice. outras, são ternas como cheiro de jasmins ou patchouli. me traz o olhar amigo e, às vezes, censuroso de anita de quem deve ter herdado partes. muitas partes. me traz ainda alguma poesia raivosa de quem te pariu e a quem, em toda medida possível, amei (talvez não tenha sabido dizê-lo). esta é você. o verão no meu outono que já se sabe inverno.


continue primavera e verão e que seu outono demore, demore muito a chegar!

terça-feira, maio 21, 2019

a star is born

desde janeiro, me abstive de postar qualquer coisa neste espaço que, embora considere meu, sei que de fato não o é. abstive-me simplesmente porque falar de política no contexto atual é chover no molhado ou, ainda pior, é inscrever-me em uma das duas facções em que se dividiu o país antes e depois das eleições de 2018.

o sentante atual da cadeira mais alta, mais macia e mais encantadora do palácio do planalto - um néscio comprovado - tem tentado cumprir as suas promessas de campanha: decretos e mais decretos sobre armas (por último, liberou a compra de fuzis); bate-bocas inúteis, sem sentido e sem fundamento pelas redes sociais que ele faz de conta que administra embora todos nós estejamos carecas de saber que o verdadeiro administrador é um dos seus filhos queridos.

manipulado por não sei quantas mãos e dedos, o discípulo do astrólogo olavo de carvalho rende-se ao canto de sereia daqueles que sonham com a imortalidade do bronze com que ditadores perpetuam sua vaidade e seu desejo de poder. ferido de morte para ganhar sobrevida durante a campanha presidencial, jair bolsonaro não é um sobrevivente. é o resultado de uma estratégia que só agora se revela como tal com o apelo a uma manifestação em prol dele mesmo no próximo dia 26.

E, como todos os seus antecessores na história das américas que não tem o inglês como sua língua mater, o presidente brasileiro desponta no horizonte nublado como candidato a mais novo caudilho deste pedaço de mundo chamado américa latina.

ignatius bem que o tentou ao fazer um jogo extremamente populista e que nos lançou no buraco financeiro em que nos encontramos. só não deu certo porque, como dizem os cientistas sociais lá de itapoan, o olho cresceu demais e aí meteram a mão na jaca "de com força" tanta que não sobrava nem caroço. e, além de tudo, do alto da sua esperteza, luiz ignatius, foi besta, otário, babaca, ao não perceber que pra todo sabido tem um mais sabido ainda. e deu no que deu.

o capitão, que se cercou de generais (talvez pra se vingar dos tempos de caserna quando recebia ordens até de majores) e astrólogos e atores pornôs e pastores e venezuelanos pra educar brasileiros e, acima de tudo, de familiares (filhos, primos, ex-mulher, compadres, afilhados e o diabo a quatro) aprendeu rápido, a dizer e desdizer em frações de segundo.
perigosamente à deriva, o brasil navega em direção a uma nova ruptura institucional comandada por um sujeito que acredita que o pior mal do país é a classe política - da qual ele emergiu direto para a presidência da república - e que a história que se conta da história do país precisa ser refeita, reescrita e recontada. desta vez, sob a sua ótica.

terça-feira, janeiro 29, 2019

uma experiência de quase vida


nasci, ou me deram à luz, em meados de 1950. não tenho a menor ideia do que eram aqueles anos ou como era a vida da minha família. meus pais, rufino e dona anita, nunca me contaram. ou por não saberem contar histórias – no que eu mais acredito – ou por não quererem me contar histórias nas quais, hoje, eu não acreditaria. e é assim que eu posso começar me contar ou contar uma história de uma quase vida que eu – como já deu para perceber, não sei contar.

sei, pela minha cor, pela minha estrutura familiar, que nasci pobre, remediado e de duros tempos (os de hoje, quando tento recuperar o que não tenho em memória, também são duros. diferentes, mas tão duros quanto aqueles que, suponho, tenha vivido). memórias bonitas como as fugas da escola para mergulhar em rios, riachos e chafurdar na lama, são recorrentes. outras, gloriosas (e hoje hediondas) como matar passarinhos, patos, marrecos e bichos do chão como coelhos, preás, raposas, veados e tantos outros também o são. tristezas? nenhumas. arrependimentos, poucos. este, sou eu.

filho de uma barriga de (presumo) cinco filhos, não fui ou fui, o último deles. lembro que (e a memória falha como nunca) a minha mãe deu à luz a uma menina que nem cheguei a conhecer (muito menos ver) em um aborto espontâneo. portanto, pela crueldade natural da vida e da maternidade, preferiu ver as trevas ou o paraíso. melhor para ela. lembro que a chamavam também, de anita. novamente, este, este sou eu!

anita, a mãe, dela, de mim, de zezito, de ivone e de vivi (apelido de antonio dos santos, pra variar) tinha um jeito duro, doce de ser; uns olhos cor de quem não sei o que era; um jeito espigado de bambu de paranaguá ou do riacho da guia que eu não conheço em mim mas me vejo em outros. me vejo em alguns daqueles que chamam de meus. filhos, netos... o quê mesmo?

quem sou eu?

vamos a mim? eu não tenho a menor noção ou conhecimento dos anos que envolveram minha nascênca, minha infância ou minha adolescência. sei – e isto é muito presente – do sacrifício em que vivíamos nos arredores de santo amaro da purificação, num pedaço de terra chamado de terra nova, quilombo de quilombos de vários lugares. morrotes e vales de um rio enorme (e hoje morto) que davam prazeres e dores  a quem ali vivia ou achava que vivia. foi onde cresci.

lembro de anita que deu olhos a danilo e aspereza a vanessa. do seu cuidado com um tal de carlito, que virou lallis depois de ter sido batizado carlos alberto. o carlito eu entendo, o lallis, eu compreendo... o carlos alberto, eu prefiro esquecer.

dona anita, como eu, sonhava, sonhou. rufino, me deu um rosto, um jeito, uma cor, uma feição (é a cara do pai!) e eu choro como um cretino por me saber parecido (não sei se igual) com um sujeito homem, feio e bonito ao mesmo tempo. sábio e tão ignorante que me fez ser tanto quanto ele (também não sei se tanto) a ponto de hoje duvidar se somos a reencarnação do outro se isto for possível. dele, tenho poucas memórias. os meus serão assim?

falava de dona anita (helenita, nos registros oficiais): ela me sonhava melhor. ela me sonhava grande. o que ela me sonhava?

definitivamente, não sou aquilo que ela esperava. tampouco sou o que eu próprio me esperava. as vezes, sou mesquinho, tacanho ou, na pior das hipóteses, canalha. na maioria das vezes, calhorda. comigo mesmo e poucas vezes, com os outros. isso me torna ruim. em todos os sentidos. principalmente, comigo.

cometi crimes em minha vida. crimes como me casar, fazer filhos que, ao contrário e como eu, também os cometeram: danilo cometeu filhos como joão e malu (que me olha com os olhos das duas anitas que eu amei (ou não soube amar) me perguntando coisas que não sei responder; vanessa me deu netos que eu não compreendo e me veem com olhos de netos. cometi outros, bem piores como não aceitar a vingança (?) de uma filha que não soube (nem eu) ser filha e, na consequência, não sermos netos nem avô. onde ela e eles andarão?

tenho (?) uma mulher que me ama – pelo menos ela diz e prova porque se mantém ao meu lado – privei-a de uma vida diferente da que tem; tenho (?) quatro pessoinhas que me chamam de avô (diferenciando por nomes) e o que dei a eles?

sabe aquela história do confessionário quando você entra e diz “pai perdoa, porque pequei?” pois bem, de forma alguma, eu diria isto. não quero perdões, ou absolvições. pequei porque pequei. simplesmente por ter pecado. perdão de quem? eu só preciso me perdoar. e não sei fazer isto.

os médicos, estes, sempre metidos a semideuses, dizem que existe uma experiência de “quase morte” quando o corpo deixa de funcionar quase que completamente e sem nenhuma explicação, ressuscitam. é a chamada “síndrome de lázaro”.

no meu caso, já que não morri (ainda) aos 63 anos, é uma experiência de quase vida. eu só não soube vivê-la.