na rua, na chuva ou na fazenda

sexta-feira, junho 26, 2015

necrofagia


em meio ao fuzuê dos festejos de são joão, uma notícia triste para os milhares (milhões, segundo a mídia especializada) de fãs de um certo cantor "sertanejo" lá das bandas de goiás que morreu em decorrência de um acidente automobilístico.

a partir do acidente desse rapaz deflagrou-se no brasil varonil um tsunami de bobagens. as redes de tv, as emissoras de rádio, os sítios da internet, as redes sociais todas elas foram inundadas por essa onda de necrofagia. postaram-se lamentações, murmúrios, rancores, mágoas e até projetos de lei já batizados com o nome do indigitado rapaz.

eu, cá do meu canto, acabei sendo bombardeado por essa crise sentimental que aflorou nessas terras tupiniquins por conta de um acidente que a mim, de verdade, não disse nada. não me bateu a passarinha muito embora tenha provocado a perda de duas vidas importantes para as famílias, para os amigos e até mesmo para os ouvidores do gênero musical (?) que ele perpetrava. perdemos um grande poeta. atentem para a profundidade dos seus versos: "bará, bará, beré, beré!" que beleza singela eles traduzem. nos levam até a transcender.

bem, deixando de lado sua poesia e sua tragédia, passemos à tragédia que ele nos legou: vídeos avassaladores da sua agonia ao ser retirado das ferragens, imagens chocantes da manipulação do seu corpo e até uma criatura que há 14 anos pariu uma criança, revelando-se mãe de um filho que ele provavelmente não levou na memória.

quem era afinal esse rapaz que mesmeriza a opinião pública desse país festeiro e necrófago? provavelmente, deve ter sido muito importante, alguém tipo jc cuja martírio reverenciamos até hoje e com quem ele, deve estar agora tentando encontrar nos labirintos do reino do criador. eu é que não o conheci. talvez não tivesse merecido a honra sequer de tê-lo ouvido esganiçando a voz nos bailes da vida, como diria fernando brant na voz de milton nascimento.

me permitam a burrice e perdoem-me pela santa ignorância: quantos foram os mortos a "balas perdidas", por acidentes diversos, por fomes medonhas enquanto o brasil varonil do nordeste se empanturrava de pamonha, se embriagava em licores e se lamuriava em frente às telas de lcd ou plasma vendo as imagens da superprodução em que se transformou o funeral desse rapaz (sua namorada, ou melhor, o funeral dela foi apenas coadjuvante. a sua tragédia foi bem menor e, ao que parece, a sua morte, insignificante diante da morte maior do falecido).

pior ainda foi a tragédia perpetrada por jornalistas afoitos para cobrir melhor o trágico evento. chegaram mesmo a manchetar que ele morrera, mas passava bem. a tristeza que cobria o país vitimizou o jornalismo.

agora, eu estou deverasmente apavorado: se a morte desse menino provocou tudo isto, imaginem quando aquele da voz fanhosa, mas que é chamado de rei for pra goiás prestar contas ao criador, o que será de nós?

algumas pérolas decorrentes desse evento cuja magnitude ainda não fomos capazes de compreender:

1) a apresentadora fátima bernardes, de tão consternada, matou também cristiano ronaldo (jogador de bola português, para quem não o conhece) por duas vezes;

2) jorge solla, deputado federal pela bahia com agá, propôs a criação de uma lei com o nome do falecido para obrigar a utilização do cinto de segurança até mesmo em carrinhos de rolemã (esqueceu-se que tal procedimento já é obrigatório) e também que as montadoras equipem os veículos com dispositivos que informem a não utilização do cinto;

3) a polícia anunciou que está tentando descobrir a autoria do wikileak do iml onde o corpo foi necropsiado e que vazou o vídeo do procedimento;

4) o jornalista responsável pela manchete noticiando que o cantor passava bem apesar de ter morrido  não foi encontrado para confirmar a informação.