já não estou mais naquela idade em que adolescentes e até jovens adultos me olham e me chamam de “tio”. a essa altura do campeonato idade em que me encontro está mais fácil – e mais coerente até – me chamarem de vovô. mas, um velho adágio reza que o tempo nos traz sabedoria... mentira! e da grossa! quer saber?
Foto: M. Pavan |
numa dessas manhãs brumosas de junho, lá estava eu em frente à igreja de itapuã, notório bairro da capital baiana e que já foi até cantado em verso e prosa antes do crack, a prostituição e outras drogas tais transformarem a sua poesia em fumaça (as brumas a que me referi linhas atrás não eram desta ‘fumaça’ de agora) quando fui abordado por um garoto mirrado aparentando, no máximo, 12 anos. vozinha triste e educada, recitou-me uma ladainha mais triste ainda que findava com a seguinte estrofe “...para comprar um saquinho de balas de maçã para fazer dinheiro e comprar uma sandália.” (e aí, mostrou-me os restos de uma sandália nos pés rugosos mas limpos)”. meu coração de ex-repórter de polícia apequenou-se e, decidi a catar algumas moedas no bolso. minha cabeça, mais lúcida, menos afeita a laivos de ternura dizia: “vai com ele aí na padaria ao lado e compra as balas!” meu coração, já na lona, nem pestanejava: “que mesquinhez!” venceu o coração.
dos 50 centavos originalmente pretendidos à doação, acabei sapecando nas mãos do moleque 4 reais em moedas de r$ 1, novinhas em folha. pareciam de ouro! meu coração vencedor soltou o foguetório! recém-enfartado, rejuvenesceu e não perdeu o compasso no resto do dia de uma longa viagem até a chapada diamantina.
dias depois, bem perto da pracinha da igreja, à beira da praia onde os “sacizeiros” de todas as idades fizeram seu baluarte sob os barcos de alumínio ou velhas catraias de madeira, me deparo com as tristes figuras dependentes do crack, da cocaína, da maconha e até mesmo da prosaica cachaça 51, algumas a pedir, outras a ameaçar tomar à força um trocado “para um pão”. entre elas, o garoto triste de tempos atrás com seu “pacote de balas de maçã”: um copo plástico, daqueles de água mineral, uma espécie de cachimbo e três pedrinhas de crack cinza-amareladas na mão. e na carinha de santo um sorriso bestificado.
nunca, na história deste país – como diria certo ex-nordestino – alguém se sentiu mais ingênuo do que eu. mas não aprendi a lição: horas atrás, uma senhora, numa esquina de outra cidade, me abordou com uma criança aboletada nos quadris e duas outras de mãos dadas como caranguejos e rezou sua ladainha: “...é pra butar uma sandáia nos pé dus minino e comprar uma rôpinha pr’essaqui (a do colo)”. meu coração alvoroçou-se no peito. por sorte, eu não tinha nada no bolso ou nas mãos. mas deu vontade de perguntar: aceita cartão?
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